Palavras que acolhem
O futuro da escola voltará a ser dos livros
Apanhar
um som no ar. E guardá-lo na memória. Atribuir-lhe uma forma. E
desenhá-lo, primeiro, com dificuldade, prolongando o braço sobre um
lápis que se agarra de mão cheia. Depois, deixando o movimento
escorregar para a ponta dos dedos, entregá-lo a uma espécie de dança,
que liga o punho à superfície do papel. Finalmente, levado pela sua
leveza, guarda-se o som numa forma; num desenho. Para que, por fim, se
vá do áudio ao visual e do sensorial ao abstrato.
Aprender
com o corpo, aprender a pensar com o corpo, permite que se perceba que a
atenção é uma consensual idade de sentidos. E que corpo e pensamento
aprendem embrenhados um no outro. Aprender com o corpo é assumir um
perpétuo movimento com que se vai dos sentidos e dos sentimentos àquilo
com se discorre e se abstrai. Com que se liga e sintetiza. A motricidade
é a melhor amiga da leitura.
A
leitura não vive sem a escrita. A escrita precisa da interpretação. A
leitura carece da motricidade. A escrita da atenção. Quanto menos
motricidade menos atenção. Quanto menor for a paciência entre aquilo que
se escuta e os pequenos remoinhos que fazem com que isso se mexa dentro
nós, menos se cogita e conjetura. Menos se imagina. Menos se ergue e
reconstrói. Menos se vai da espera à construção. Menos se procura. Pior
se compreende.
É por isto
que o uso predominante do digital no primeiro ciclo não é tão razoável
como parece. Aprender a leitura sem ela se desenhar a partir da escrita
antes aguça a distância entre se ter um peixe e ensinar-se a pescá-lo.
Enquanto países como a Noruega e a Suécia regressam aos livros físicos,
em Portugal o numero de tablets nas escolas vai crescendo. E isso é
mau.
O livro faz com que
a palavra seja o guardião do movimento. A leitura abre-o à escrita. A
escrita simplifica a leitura. Tudo começa nos sons que se escutam e se
apanham no ar. Tudo termina no corpo com que eles se desenham. Tudo se
resume aos movimentos do silêncio com que, de cada vez que se leem, se
escreve a liberdade.
Eduardo Sá
Imagem: Pinterest
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