terça-feira, setembro 30, 2025

Palavras que acolhem

 

O futuro da escola voltará a ser dos livros


Apanhar um som no ar. E guardá-lo na memória. Atribuir-lhe uma forma. E desenhá-lo, primeiro, com dificuldade, prolongando o braço sobre um lápis que se agarra de mão cheia. Depois, deixando o movimento escorregar para a ponta dos dedos, entregá-lo a uma espécie de dança, que liga o punho à superfície do papel. Finalmente, levado pela sua leveza, guarda-se o som numa forma; num desenho. Para que, por fim, se vá do áudio ao visual e do sensorial ao abstrato. 



Aprender com o corpo, aprender a pensar com o corpo, permite que se perceba que a atenção é uma consensual idade de sentidos. E que corpo e pensamento aprendem embrenhados um no outro. Aprender com o corpo é assumir um perpétuo movimento com que se vai dos sentidos e dos sentimentos àquilo com se discorre e se abstrai. Com que se liga e sintetiza. A motricidade é a melhor amiga da leitura. 


A leitura não vive sem a escrita. A escrita precisa da interpretação. A leitura carece da motricidade. A escrita da atenção. Quanto menos motricidade menos atenção. Quanto menor for a paciência entre aquilo que se escuta e os pequenos remoinhos que fazem com que isso se mexa dentro nós, menos se cogita e conjetura. Menos se imagina. Menos se ergue e reconstrói. Menos se vai da espera à construção. Menos se procura. Pior se compreende.


É por isto que o uso predominante do digital no primeiro ciclo não é tão razoável como parece. Aprender a leitura sem ela se desenhar a partir da escrita antes aguça a distância entre se ter um peixe e ensinar-se a pescá-lo. Enquanto países como a Noruega e a Suécia regressam aos livros físicos, em Portugal o numero de tablets nas escolas vai crescendo. E isso é mau. 


O livro faz com que a palavra seja o guardião do movimento. A leitura abre-o à escrita. A escrita simplifica a leitura. Tudo começa nos sons que se escutam e se apanham no ar. Tudo termina no corpo com que eles se desenham. Tudo se resume aos  movimentos do silêncio com que, de cada vez que se leem, se escreve a liberdade.


Eduardo Sá 

Imagem: Pinterest

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