José Saramago 1922-18 de junho de 2010
No dia 18, fez 15 anos que José Saramago nos deixou.
(1922- 18 de junho 2010)
José
SARAMAGO, o escritor português que em 1998 foi distinguido com o prémio
Nobel da Literatura, teria hoje 103 anos de vida na contagem do tempo.
Fora dele, continua por cá e por além fronteiras.
"As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples. Quem me dera saber escrever essas histórias.
Se
eu tivesse aquelas qualidades, poderia contar, com pormenores, uma
linda história que um dia inventei. Seria a mais linda de todas as que
se escreveram desde o tempo dos contos de fadas e princesas encantadas…
… havia uma aldeia.
…e um menino.
Sai
o menino pelos fundos do quintal, e, de árvore em árvore, como um
pintassilgo, desce o rio e depois por ele abaixo. Em certa altura,
chegou ao limite das terras até onde se aventurara sozinho. Dali para
diante começava o “planeta Marte”.
Dali para diante, para o nosso menino, será só uma pergunta: Vou ou não vou? E foi.
O
rio fazia um desvio grande, afastava-se, e de rio ele estava já um
pouco farto, tanto que o via desde que nascera. Resolveu cortar a
direito pelos campos, entre extensos olivais, ladeando misteriosas sebes
cobertas de campainhas brancas, e outras vezes metendo pelos bosques de
altas árvores onde havia clareiras macias sem rasto de gente ou bicho, e
ao redor um silêncio que zumbia, e também um calor vegetal, um cheiro
de caule fresco.
Ó que
feliz ia o menino! Andou, andou, foram rareando as árvores, e agora
havia uma charneca rasa, de mato ralo e seco, e no meio dela uma
inclinada colina redonda como uma tigela voltada.
Deu-se
o menino ao trabalho de subir a encosta, e quando chegou lá acima, que
viu ele? Nem a sorte nem a morte, nem as tábuas do destino… Era só uma
flor.
Mas tão caída, tão
murcha, que o menino se achegou, de cansado. E como este menino era
especial de história, achou que tinha de salvar a flor. Mas que é da
água? Ali, no alto, nem pinga. Cá por baixo, só no rio, e esse que longe
estava!
Não importa.
Desce
o menino a montanha, atravessa o mundo todo, chega ao grande rio, com
as mãos recolhe quanta de água lá cabia, volta o mundo atravessar, pelo
monte se arrasta, três gotas que lá chegaram, bebeu-as a flor com sede.
Vinte vezes cá e lá.
Mas a flor aprumada já dava cheiro no ar, e como se fosse uma grande árvore deitava sombra no chão.
O
menino adormeceu debaixo da flor. Passaram as horas, e os pais, como é
costume nestes casos, começaram a afligir-se muito. Saiu toda a família e
mais vizinhos à busca do menino perdido. E não o acharam.
Correram
tudo, já em lágrimas tantas, e era quase sol-pôr quando levantaram os
olhos e viram ao longe uma flor enorme que ninguém se lembrava que
estivesse ali.
Foram
todos de carreira, subiram a colina e deram com o menino adormecido.
Sobre ele, resguardando-o do fresco da tarde, estava uma grande pétala
perfumada…
Este menino foi levado para casa, rodeado de todo o respeito, como obra de milagre.
Quando
depois passava pelas ruas, as pessoas diziam que ele saíra da aldeia
para ir fazer uma coisa que era muito maior do que o seu tamanho e do
que todos os tamanhos."
José Saramago, in, A Maior Flor do Mundo.
mala d'estórias
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